Como a Finlândia avalia o processo de aprendizagem de seus alunos?
Doutora em Educação pela Universidade de Helsinki, Najat Ouakrim-Soivio explica processos de avaliação visam criar estudantes independentes e responsáveis
POR: Camila CecílioHá quase 20 anos entre as primeiras posições do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), a Finlândia é referência mundial em Educação. Pode-se atribuir como parte desse resultado o modelo utilizado pelos finlandeses para avaliar o processo de aprendizagem dos cerca de 500 mil alunos da Educação Básica. Atualmente, o país nórdico aplica dois tipos de avaliação: as objetivas, que consistem na realização de provas com atribuição de notas, e as formativas, realizadas para que o aluno possa compreender o próprio aprendizado por meio da autoavaliação e da avaliação comparativa.
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Para ajudar os alunos a entenderem esse processo de autoavaliação é preciso, sobretudo, que o professor analise como o estudante faz sua autoavaliação, segundo Najat Ouakrim-Soivio, doutora em Educação pela Universidade de Helsinki e conselheira do Ministério de Educação da Finlândia. A especialista, premiada em 2016 como a gestora educacional do ano de Helsinki, veio ao Brasil para falar sobre o sistema educacional finlandês a gestores de secretarias de Educação em um workshop promovido pela Mind Lab, em São Paulo.
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Autoavaliação na prática
Najat explica que, na Finlândia, a avaliação formativa é feita constantemente. Na prática, perguntas específicas para cada faixa-etária são colocadas em um formulário para que as crianças respondam, por exemplo, se está conseguindo fazer suas atividades com calma ou se consegue ler e escrever sem dificuldades.
A partir dessas respostas é que o professor poderá atuar efetivamente. “Se um aluno responde que consegue fazer tudo sem dificuldades ou (não consegue fazer) nada, é nessa hora que o professor deve se atentar para orientá-lo e tentar entender porque ele sabe tudo ou nada. E nesse processo de autoavaliação, o papel do professor, de forma alguma, é dar respostas. Na autoavaliação não há respostas, mas sim o professor fazendo com que o aluno pense por si mesmo”, afirma a doutora.
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E a avaliação comparativa?
Na Finlândia, a avaliação comparativa, por sua vez, é trabalhada de igual para igual. Ou seja, alunos com alunos e professores com professores. No caso dos estudantes, o professor tem a missão de orientar como esse feedback deverá ser dado. “O professor pode dar um formulário pronto com perguntas autoavaliativas para que alunos leiam e respondam, por exemplo, como avaliam a habilidade de trabalho em grupo; o que funcionou ou não e o que podem fazer diferente. Ou pode pedir, no caso de um trabalho em grupo, para fazer a avaliação comparativa entre eles e darem um feedback do grupo para o professor. São habilidades que o educador vai trabalhando e desenvolvendo com os alunos para o futuro”, reforça Najat.
Para ela, preparar alguém para receber feedbacks é um processo longo que deve começar com pequenos passos. “São instruções que o professor dá para o aluno atender ao feedback sem ser crítico, um feedback pessoal, e ele faz isso com diferentes duplas, nunca com a mesma dupla”, reforça.
Alunos mais autônomos
Quando todos estão empenhados no processo de avaliação do aprendizado os resultados podem ser vistos na sociedade, segundo a educadora finlandesa. “Quando você se torna um profissional que consegue trabalhar independentemente e consegue receber críticas, com mais autonomia para fazer sem que haja a necessidade de ser demandado”, exemplifica.
No dia a dia escolar, os alunos passam a se conhecerem mais a ponto de conseguirem identificar o aprendizado deles dentro do processo e como podem melhorar. Aos poucos, isso vai acrescentando a percepção de responsabilidade sobre o próprio ensino. “O aluno toma essa responsabilidade para ele. Pedagogicamente falamos de uma orientação própria”, acrescenta.
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E para os professores?
Assim como para os alunos, a avaliação comparativa é feita entre iguais. Segundo Najat não faz qualquer sentido um diretor, por exemplo, avaliar um professor, uma vez que não desempenham a mesma função. Como na Finlândia não há a figura do coordenador, quem faz essa comparação são os próprios professores. “Geralmente a avaliação comparativa deve ser feita e dada pelo colega que o professor trabalha mais diretamente porque, como o próprio nome diz, são dois profissionais se comparando e tentando se melhorar dentro da profissão”, observa a especialista.
Najat reforça que o educador precisa estar muito bem preparado, entender os motivos da avaliação e conhecer bem os processos avaliativos. A tarefa do professor é orientar o ensino, de acordo com ela, no entanto, ressalta que o problema da avaliação é que sempre será subjetiva. “Temos que tentar achar uma objetividade dentro da avaliação. Quanto melhor o professor for preparado para os processos avaliativos, melhor ele garante a qualidade e a justiça dentro do processo”, pontua.
O que o Brasil pode aprender com a Finlândia
Na educação finlandesa, 1/3 da formação dos professores é dedicada às avaliações, segundo a professora brasileira Ayla Patrícia Huovi, que há 15 anos vive no país e leciona para turmas da Educação Básica. “O professor é preparado para isso e se cobra bastante, de modo que ele fez essa autoavaliação ao longo da vida, até antes mesmo de ser professor”, conta.
A educadora acredita que a experiência de autoavaliação e a avaliação comparativa feitas pela Finlândia pode ajudar a Educação brasileira ao sugerir o uso de técnicas mais efetivas. “Nós temos isso no Brasil, só que a forma como a Finlândia faz, desde cedo, é muito intensa. Quando começarmos a introduzir isso aqui, como é feito na Finlândia, veremos os reflexos na sociedade. Digo isso porque vemos no nosso país jovens e adultos que evitam a responsabilidade, ‘o erro é sempre do outro, nunca nosso’. Lá, os alunos pegam muito cedo essa responsabilidade para eles porque todos se auto avaliam e sabe a responsabilidade de si”, diz.
Mestre em Psicologia na área do Desenvolvimento Humano e Processo de Ensino-Aprendizagem, Sandra Garcia visitou escolas públicas da Finlândia por duas semanas e reforça que exemplos simples do país nórdico podem ser aplicados à Educação brasileira. Ela cita a integração entre família, criança e professor como um deles. “Essa é uma das coisas que mais me impressionaram na Finlândia. Já no início eles combinam, juntos, o que vão aprender e os papeis de cada um ficam muito claros. A partir disso, cada vez que a criança tem uma dificuldade, isso é compartilhado entre os três”, conta Garcia, que também é diretora pedagógica da Mind Lab.
Duas vezes por ano, o professor tem que, obrigatoriamente, chamar a família para ir à escola. O diferencial? O aluno está junto para falar como está sendo seu aprendizado e também para dar o feedback para o seu professor. “Eles trabalham muito mais com a autoavaliação, a consciência dos pontos fortes e frágeis do processo, e o feedback constante junto ao o professor. É o professor chegar ao aluno e perguntar: que mais eu posso fazer pra te ajudar? E isso faz toda a diferença”, ressalta.
Garcia defende, no entanto, que antes de tudo é preciso investir mais nos professores brasileiros, no sentido de confiar no trabalho desenvolvido pelos educadores. Para ela, o profissional deve ter mais autonomia. “Se conseguíssemos trazer para cá essa confiança no professor, resolveríamos mais de 50% das questões que temos aqui”, completa.
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